Nas vésperas da I Grande Guerra Stravinsky encontra-se envolvido no projecto de Les Noces (As Bodas): pretende escrever uma obra baseada nos contos russos sobre o casamento, realizando no Verão de 1914 uma viagem à biblioteca da sua casa em Ustilug (Rússia), em busca de fontes documentais. Desde 1910 que reside fundamentalmente entre Paris e Suiça, sendo reconhecido como o mais importante compositor russo da nova geração desde o sucesso com Pássaro de Fogo, estando o seu destino fortemente ligado ao dos Ballets Russos. No entanto, a Guerra virá perturbar este estado de coisas. A actividade com os Ballets fica comprometida, fixando Stravinsky residência na Suíça, que se converte em terra de exílio, sobretudo após a Revolução Russa. Les Noces terá então um largo período de gestação, ficando a instrumentação pronta somente em 1923, altura em que é estreada em Lausanne.
Neste período de tempo, Stravinsky, graças à neutralidade suiça, efectua algumas viagens ao estrangeiro e recebe visitas, nomeadamente de Diaghilev de partida para os Estados Unidos onde, com Ansermet responsável pela orquestra, maestro suiço amigo de Stravinsky, irá propor apresentação da sua companhia no Metropolitan Opera House. Antes de partir, Ansermet introduz Stravinsky a um conhecido escritor suiço, Charles F. Ramuz, conhecimento que terá como frutos o texto de L' Histoire du Soldat.
Entre 1915 e 1918, Stravinsky irá encontar de novo Diaghilev, dirigindo pela primeira vez uma apresentação de O Pássaro de Fogo em Genéve e Paris (1915), por ocasião de um concerto de beneficiência para a Cruz Vermelha; é a sua estreia como maestro. Após o regresso dos Ballets dos Estados Unidos, Stravinsky voltará a reger, nomeadamente em Madrid e em Roma.
A composição de L' Histoire du Soldat surge por proposta de Ramuz. No iníco de 1918 a situação mundial é muito grave. Ramuz tem então a ideia de criar uma pequena peça para ser narrada e dançada, com um pequeno efectivo instrumental, que permitisse a realização de apresentações simples, com poucos meios. A 28 de Setembro, em Lausanne, sob a regência de Ansermet, estreia-se L' Histoire, terminada que era já a guerra.
A peça envolve um narrador e três personagens (o Soldado, o Diabo e a Princessa, personagem que não fala) mais um septeto instrumental formado por um par de madeiras, metais e cordas, integrando os registos agudos e grave de cada família (clarinete e fagote, corneta de pistons e trombone, violino e contrabaixo) e bateria. A história, influenciada por contos russos que Stravinsky havia transmitido a Ramuz, põe em cena um pacto do Soldado com o Diabo. O soldado acede a dar o seu violino a troco de um livro que prevê o futuro e dá riqueza. No final, o soldado acaba por perder a alma. É, no fundo, uma parábola sobre o mercantilismo.
A música, fornecendo interlúdios e danças para a peça, é de uma enorme heterogeneidade, remetendo para um espaço muito mais amplo que as peças do período russo, mais ancoradas no material popular nacional: marcha militar, danças populares como o tango, a valsa, o ragtime, o passodoble espanhol (na "Marche royale"), andamento miniatural de concerto, coral luterano - o clímax da obra, repleto de "notas erradas" (apogiaturas não resolvidas ou resolvidas fora de tempo, que lhe conferem uma estranheza que remete indubitavelmente para a ironia e o sarcasmo). Apesar da instrumentação reduzida, nada nesta peça remete para a música de câmara nem para qualquer género composto até à época, podendo-se enquadrar dentro do teatro musical avant la lettre.
Na versão original, datada de 1918, L' Histoire apresenta duas partes:
Primeira Parte:
Marcha do soldado
Música à beira do ribeiro (1)
Música à beira do ribeiro (2)
Música à beira do ribeiro (3)
Segunda Parte:
A Marcha do Soldado
A Marcha Real
O Pequeno Concerto
Tango
Valsa
Ragtime
A Dança do Diabo Pequeno Coral
A Canção do Diabo
Grande Coral
A Marcha Triunfal do Diabo
Existem outras duas versões, uma Suíte de Concerto datada igualmente de 1918, que conserva 9 das peças originais, mantendo a instrumentação original e uma Suíte de câmara, para Violino, clarinete e piano, de 1919, com 5 peças.
A Suíte de Concerto da História do Soldado apresenta a seguinte estrutura:
A marcha do Soldado
Pequenas melodias à beira do ribeiro
Pastoral
Pequeno Concerto
Grande Coral
A marcha triunfal do Diabo
A heterogeneidade é então uma das marcas fundamentais desta obra, desde as influências dos vários tipos de música popular presente (sendo que o contacto de Stravinsky com o jazz era muito recente, proporcionado por Ansermet que tinha trazido umas partituras dos Estados Unidos), às diversas combinações instrumentais, à sobreposição de ostinatos e tonalidades.
Terminada a guerra, Stravinsky fixa-se de novo em França, em 1920, dando início a uma nova fase de composição, o Neoclassicismo. Por Neoclassicismo entende-se um retorno à música do passado, particularmente à música do séc. XVII (neo-barroco) e XVIII, nomeadamente através dos modelos formais e das estruturas melódicas e rítmicas, não como imitação ou recriação mas antes na criação de novos modelos a partir de referências passadas. O Neoclassicismo surge como uma reacção ao carácter exacerbadamente emocional da música do séc. XIX, procurando modelos mais racionais nos períodos clássicos e barroco.
As obras de Stravinsky entre 1920 e 1952 fazem uma revisitação destes períodos, aos quais junta as influências da música popular como o jazz, o ragtime e ainda de compositores do séc. XIX. Pulcinella (1920), um bailado cujos cenários e guarda roupas são da autoria de Picasso, revisita a música de Pergolesi, tendo o tema sido proposto por Diaghilev, cujo enredo se enraiza na commedia dell' arte.
Pulcinella
Outras obras importantes deste período foram já referidas em "Stravinsky: percurso artístico". Compositores coetâneos que vão igualmente abraçar este estilo: Bela Bartók (1881-1945), Sergei Prokofiev (1891-1953), Paul Hindemith (1895-1963), Les Six entre outros.
Uma chamada de atenção para L' Histoire du Soldat em relação ao neoclassicismo. Tendo ainda várias características das obras do período russo (características que também encontraremos em obras posteriores), como os ostinatos obsessivos por exemplo, encontramos já elementos que apontam para o neoclassicismo. Como exemplo, a uitlização de formas do passado (nomeadamente o coral), ou populares como o jazz, o ragtime, o tango, as pré-estabelecidas, como a valsa. É a junção destas características com uma linguagem harmónica e rítmica moderna (os ostinatos rítmicos, as harmonias politonais, a flexibilidade métrica) que actualiza e transforma este passado em algo de novo; esta é também uma característica do neoclassicismo e que está presente na História do soldado (clique para ver a versão completa de L´Histoire - encenada).