Igor Stravinsky: percurso artístico




Igor Stravinsky (São Petersburgo,1882 - Nova Iorque, 1971)


in White, Nobel, "Stravinsky, Igor", Sadie (ed), The New Grove Dictionary of Music and Musicians, London , Macmillan, 1980, Vol. 18, pp. 240, tradução livre.
"Compositor russo, naturalizado francês em 1934 e americano em 1945. Percurso de vida multifacetado, tendo a sua música apresentado igualmente várias transformações, muitas vezes à frente do seu próprio tempo mas sempre detentora de enorme consistência. Entre 1882 e 1910, manteve-se na Rússia, onde absorveu influências dos seus compatriotas [marcadamente influenciado por Mussorgsky e Rimsky-Korsakov, de quem foi aluno]. Os anos entre 1910-1914 marcam o início da sua carreira internacional, em que compôs para os Ballets Russos de Diaghilev, em Paris, estreando Pássaro de Fogo, Petrushka e A Sagração da Primavera. Tem residência na Suiça, entre os anos de 1914-1920, exilando-se definitivamente após a Revolução Russa 1917, continuando no entanto ligado à terra natal através das suas obras. O período compreendido entre 1920 e 1939, passado em França, corresponde à composição de obras ao estilo neoclássico, reactivando os estilos e géneros musicais do séc. XVIII. Esta tendência persiste nos primeiros anos da sua vida nos Estados Unidos (1939-1952), dando progressivamente lugar, dentro de uma visão muito pessoal, à utilização de técnicas seriais."

Bibliografia de base: Michael Kennedy (ed), Dicionário Oxford de Música, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 702-703; Stanley Sadie, The New Grove Dictionary of Music and Musicians, London , Macmillan, 1980, Vol. 18, pp. 240-265.


Filho de músicos (o pai era o baixo principal da Ópera de São Petersburgo), teve uma sólida formação humanística, ingressando na Universidade de Direito em 1901 mas que abandonou em favor da música.
Da sua formação inicial recebeu uma profunda influência dos compositores do Grupo dos Cinco, nomeadamente Mussorgsky e Rimsky-Korsakov. Começou a Primeira Sinfonia em 1905 assim como a Sonata para Piano.

Quando da primeira audição das suas peças para orquestra Fogo de Artífício e Scherzo na ópera (1909), Diaghilev, que tinha por essa altura formado os celebrados Ballets Russos em Paris, convidou-o para compor a música para o bailado sobre a lenda do Pássaro de Fogo (1911), que lhe trouxe um enorme sucesso.


Igor Stravinsky dirigindo a Orquestra Nacional da Nova Zelândia (1961) no final de O Pássaro de Fogo. O excerto inclui ainda a mesma orquestra em 2006, dirigida por Susan Maelki.

Seguiram-se Petruschka (1911) e A Sagração da Primavera (1913), ainda com Diaghilev, sendo a última obra, A Sagração, recebida com enorme escândalo, não só pelas audácias da composição mas também pelo cenário e a própria coreografia, da autoria de Nijinski. Evocando as lendas pagãs russas sobre a natureza e a fertilidade, Stravinsky utiliza a orquestra como um grande instrumento de percussão, em que o ritmo poderoso e arrebatador conduz a estrutura da obra, sobrepondo-se à harmonia. O carácter primitivo do ritmo, organizado em células de uma a seis figuras, a aniquilação da barra de compasso, o tempo marcado pela duração individual da colcheia ou semi-colcheia, as síncopas, a irregularidade métrica, associado a uma energia poderosa, captaram a atenção dos compositores seus coetâneos, passando a ser visto como um dos líderes da vanguarda musical.

Pierre Boulez dirigindo a London Simphony Orchestra n' A Sagração da Primavera (excerto da 1ª parte, "A adoração da Terra").

A produção musical de Stravinsky é normalmente dividida em três fases.

A primeira, conhecida como Período Russo (até 1920), integra, para além das obras acima citadas, a ópera O Rouxinol (1914), Renard (1916), Les Noces (As Bodas, cenas coreográficas russas com textos de Ramuz, 1914-23).
Características marcantes:
  • influências da música sacra ortodoxa e do folclore russo;

  • complexidade rítmica;

  • harmonia tonal livre;

  • formas baseadas na variação, repetição, fragmentação, mosaico, colagem, citação;

  • instrumentação e orquestração coloridas.
L' Histoire du Soldat (1918), comummente integrada nesta fase, resulta de um trabalho sobre um texto de C. F. Ramuz e é uma obra de charneira entre o Período Russo e o Neoclassicismo. Baseada num conto tradicional russo, de inspiração faustiana, apresenta marcas nítidas desta primeira fase, tal como os ostinatos rítmicos, um certo modalismo e exotismo melódico. Mas aponta também claramente qual o caminho a ser seguido por Stravinsky na sua segunda fase (Ver Stravinsky:1918-1939).


O segundo período decorre de 1920 a 1950 e é designado de Período Neoclássico. Stravinsky vai utilizar:
  • temas de compositores do passado (Pergolesi, Mozart, Gluck, Gounod, entre outros);

  • géneros e estilos do séc. XVIII;

  • ritmos da música popular (jazz, tango, valsa, etc.);

  • melodias quebradas por sons dispersos;

  • combinações timbricas inusitadas.

Obras deste período: Sinfonia para Instrumentos de Sopro (1920), Pulcinella (1920), Oedipus Rex (1927, opera-oratória com texto de Jean Cocteau), Apollon Musagètte (1928, bailado para Balanchine), SInfonia dos salmos (1930); Jeu de Cartes (1936), Ebony Concerto para clarinete e jazz band (1945 ), a ópera The Rake's Progress (1950). É desta fase o encontro com Picasso, nomeadamente no ballet Pulcinella, de novo uma encomenda de Diaghilev, em que o pintor é responsável pela cenografia.









(1 e 3 - Stravinsky; 2 e 4 - Picasso)

O período compreendido entre 1950 a 1971 é marcado por um acentuado interesse pelo serialismo, cruzado com elementos medievais e renascentistas assim como elementos oriundos do seu próprio passado musical. Particularmente atraído por Anton Webern (recomenda-se o artigo em inglês), as suas obras reflectem a influência deste compositor da Segunda Escola de Viena, nomeadamente na economia de meios e concentração expressiva de que são exemplo. A sua primeira obra serial é a Cantata (1952), a que se seguem Canticum sacrum (1956), Movements piano e orquestra (1959), Elegia para JFK (1964), Requiem Canticles (1965), entre outras.



Ensaista notável, os seus escritos traçam um panorama da arte do séc. XX, tal como a sua obra, extremamente pessoal, abarcando todas as variedades estilísticas do seu tempo. O contacto com outras grandes figuras da cultura do séc. XX (Diaghilev, Nijinsky, Cocteau, Picasso, Baskt, Foukine, Balanchine, entre outros) reflecte o seu carácter cosmopolita e de uma curiosidade insaciável.

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